Créditos Autorais
Prof. Dr. Horácio Nelson Hastenreiter Filho*
Texto exclusivo para Vida de Pedestre
Conversando
com soteropolitanos de todas as classes, níveis educacionais, bairros e regiões
de Salvador, observa-se que o que une as percepções em torno do futuro da
cidade é juntamente o sentimento de sua falta de futuro. Pensadores
qualificados (e outros nem tanto) corroboram com uma visão nostálgica de uma
capital da Bahia que era celeiro da produção de talentos culturais, artísticos
e políticos que se destacavam não somente no nível regional, mas também nos cenários
nacional e internacional. Este saudoso passado de vigorosa presença é
contraposto ao atual vácuo de representatividade baiana no cenário nacional,
rarefeito apenas pela onipresença da chamada Axé Music.
Em
relação ao espaço público, assistimos impotentes ao crescimento desordenado da
nossa urbe, sem que soluções efetivas
de transporte, habitação e segurança vislumbrem a mitigação da nossa condição
de polis de maior densidade
demográfica do país. Até mesmo, a nossa condição de destino turístico favorito
dos brasileiros foi perdida. O nosso trânsito caótico, a violência crescente e
a incapacidade de execução do setor público são percepções comuns,
compartilhadas por visitantes das mais diferentes localidades do país, que as
externam quando a esses interlocutores nos apresentamos como soteropolitanos.
Deve
se observar, no entanto, que apesar do consenso em relação à sensação de
abandono da cidade, nem todos os seus problemas são sentidos pelos seus
habitantes de forma igual. É desse modo, que o coro dos descontentes e ex-exclusivistas
motoristas de automóveis da classe A, que passaram a compartilhar as vias com
as classes B e C, em nada se assemelha, em termos de ressonância, à absoluta
falta de interesse geral em relação à situação dos corajosos pedestres que
insistem em circular por meio das próprias pernas nas vias públicas da primeira
capital do Brasil. Mesmo nos bairros mais nobres, como Pituba, Itaigara, Canela
e Barra, calçamentos desnivelados e/ou destruídos dão a tona da dificuldade que
é ser pedestre em Salvador. Na maioria dos bairros menos agraciados, passeio é
quase que um luxo e o os adeptos do pedestrianismo tem que se esgueirar entre
ônibus, moto, carros e caminhões, trocando a sua segurança física pela
insistência no uso do direito de ir e vir.
Explicar
a latência associada ao problema das calçadas nas vias públicas traz para o
foco o paradigma ovo-galinha. O que veio antes, o desinteresse das classes mais
abastadas de Salvador pelo espaço público e o seu consequente abandono, ou
antes, terá sido o abandono deste espaço público que explica o refúgio da elite
baiana em condomínios, shopping-centers e espaços privados? O soteropolitano
abriu mão de usufruir de um centro histórico que é patrimônio da humanidade, de
visitar igrejas, museus e tantos sítios belíssimos e carregados de significados
que fariam de qualquer cidade no mundo um destino turístico sem igual. Seria
somente mais um reflexo do exclusivismo de nossa elite que prefere andar e
estar próximo dos “seus assemelhados” ou, antes, um exagerado descuido dos
nossos gestores públicos que vem afastando os habitantes de Salvador do
convívio com a cidade? Independente da resposta a esta questão , o fato é que
circular hoje pela nossa cidade não se apresenta como uma opção.
O
maior problema nas perdas de cidadania decorrentes do desleixo público está, no
entanto, em nos acostumarmos com elas. Durante as duas últimas décadas o único
exercício de cidadania expresso em manifestação contra o poder público tem sido
aquele que se observa quando as tarifas de ônibus são majoradas. De resto, aceitamos
tudo.
Não
se desenvolve uma cidade sem cidadãos e cidadania. Quem sabe se voltarmos a ter
calçadas e passeios e espaços para pedestres que nos resgatem o direito de
andar nas nossas ruas, não ampliaremos a percepção daquilo que estamos abrindo
mão ao não cuidar da nossa cidade? Se é verdade que muito do que é uma pessoa
nos é dito por com quem ela anda, a descrição do que é um cidadão não prescinde
da qualificação do por onde ele anda. Se o espaço público já não lhe serve
mais, a sua cidadania também não lhe será de muita serventia.
*Professor Adjunto da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia.
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