segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Diga-me por onde andas e te direi quem és


Créditos Autorais 
Prof. Dr. Horácio Nelson Hastenreiter Filho*
Texto exclusivo para Vida de Pedestre


Conversando com soteropolitanos de todas as classes, níveis educacionais, bairros e regiões de Salvador, observa-se que o que une as percepções em torno do futuro da cidade é juntamente o sentimento de sua falta de futuro. Pensadores qualificados (e outros nem tanto) corroboram com uma visão nostálgica de uma capital da Bahia que era celeiro da produção de talentos culturais, artísticos e políticos que se destacavam não somente no nível regional, mas também nos cenários nacional e internacional. Este saudoso passado de vigorosa presença é contraposto ao atual vácuo de representatividade baiana no cenário nacional, rarefeito apenas pela onipresença da chamada Axé Music.

Em relação ao espaço público, assistimos impotentes ao crescimento desordenado da nossa urbe, sem que soluções efetivas de transporte, habitação e segurança vislumbrem a mitigação da nossa condição de polis de maior densidade demográfica do país. Até mesmo, a nossa condição de destino turístico favorito dos brasileiros foi perdida. O nosso trânsito caótico, a violência crescente e a incapacidade de execução do setor público são percepções comuns, compartilhadas por visitantes das mais diferentes localidades do país, que as externam quando a esses interlocutores nos apresentamos como soteropolitanos.

Deve se observar, no entanto, que apesar do consenso em relação à sensação de abandono da cidade, nem todos os seus problemas são sentidos pelos seus habitantes de forma igual. É desse modo, que o coro dos descontentes e ex-exclusivistas motoristas de automóveis da classe A, que passaram a compartilhar as vias com as classes B e C, em nada se assemelha, em termos de ressonância, à absoluta falta de interesse geral em relação à situação dos corajosos pedestres que insistem em circular por meio das próprias pernas nas vias públicas da primeira capital do Brasil. Mesmo nos bairros mais nobres, como Pituba, Itaigara, Canela e Barra, calçamentos desnivelados e/ou destruídos dão a tona da dificuldade que é ser pedestre em Salvador. Na maioria dos bairros menos agraciados, passeio é quase que um luxo e o os adeptos do pedestrianismo tem que se esgueirar entre ônibus, moto, carros e caminhões, trocando a sua segurança física pela insistência no uso do direito de ir e vir.

Explicar a latência associada ao problema das calçadas nas vias públicas traz para o foco o paradigma ovo-galinha. O que veio antes, o desinteresse das classes mais abastadas de Salvador pelo espaço público e o seu consequente abandono, ou antes, terá sido o abandono deste espaço público que explica o refúgio da elite baiana em condomínios, shopping-centers e espaços privados? O soteropolitano abriu mão de usufruir de um centro histórico que é patrimônio da humanidade, de visitar igrejas, museus e tantos sítios belíssimos e carregados de significados que fariam de qualquer cidade no mundo um destino turístico sem igual. Seria somente mais um reflexo do exclusivismo de nossa elite que prefere andar e estar próximo dos “seus assemelhados” ou, antes, um exagerado descuido dos nossos gestores públicos que vem afastando os habitantes de Salvador do convívio com a cidade? Independente da resposta a esta questão , o fato é que circular hoje pela nossa cidade não se apresenta como uma opção.
 
O maior problema nas perdas de cidadania decorrentes do desleixo público está, no entanto, em nos acostumarmos com elas. Durante as duas últimas décadas o único exercício de cidadania expresso em manifestação contra o poder público tem sido aquele que se observa quando as tarifas de ônibus são majoradas. De resto, aceitamos tudo.

Não se desenvolve uma cidade sem cidadãos e cidadania. Quem sabe se voltarmos a ter calçadas e passeios e espaços para pedestres que nos resgatem o direito de andar nas nossas ruas, não ampliaremos a percepção daquilo que estamos abrindo mão ao não cuidar da nossa cidade? Se é verdade que muito do que é uma pessoa nos é dito por com quem ela anda, a descrição do que é um cidadão não prescinde da qualificação do por onde ele anda. Se o espaço público já não lhe serve mais, a sua cidadania também não lhe será de muita serventia.

*Professor Adjunto da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia.

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